quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A Festa da Menina Morta

“Esse ano, dor é a palavra”. A frase dita por Santinho, personagem principal de “A festa da menina morta”, representa bem todo o conceito do filme. Um longa forte, que foge do lugar comum e dá espaço ao mundo da cultura popular brasileira, recheado de fé, misticismos, contrastes e irreverências. Um bom começo para a estréia de Matheus Nachtergaele como diretor de cinema. Trazendo uma história não tão incomum para o imaginário do povo brasileiro, Matheus colocou na tela cenas marcantes, algumas exageradas, como o porco sangrando até morrer, e que às vezes se tornam desnecessárias, pois o filme e seu próprio enredo, fotografia e personagens falam por si só como grandioso e chocante. A mistura foi um elemento fundamental para que pudéssemos observar os contrastes e dicotomias à que estamos sujeitos. Ao mesmo tempo em que Santinho lidera a população, que acredita fielmente no milagre do aparecimento do vestido da menina morta, ele também mantém um relacionamento incestuoso com seu pai, mistura de pecado com fé, poder, religião e milagre, todos convivendo em um mesmo filme, um mesmo drama, um mesmo imaginário. E essa magia que rodeia o filme é totalmente relacionada à fé e ao imaginário daquele povo, que levam consigo o desejo de acreditar em algo, como se fosse um alento para suas vidas, Matheus soube colocar bem essa questão ao longo de seu filme. O racional também esteve presente na falta da crença no milagre por parte do irmão da menina. Esse lado é importante, pois puxa a atmosfera do filme para um campo mais real, e ajuda o enredo a fugir do “totalmente imaginativo e irreal”. A fotografia lindíssima contribuiu para a construção do filme, a sensibilidade na escolha das imagens ajudou a deixar a produção de Nachtergaele mais dura e real. É válido salientar a importância dos personagens para a conjuntura do filme. Matheus foi inteligente ao utilizar em grande parte do elenco atores não profissionais e desconhecidos, mas que são a cara do filme. Eles ajudaram a criar um ar mais realista e natural à produção. Daniel de Oliveira, como personagem chave, se destacou bastante. Isso é perceptível no brilho de seu olho ao contracenar várias cenas. O exagero de sua interpretação, traços do teatro trazidos por Matheus, foi interessante pelo próprio papel que ele representava e exigia um tom mais grandioso e marcante. Alguns personagens tiveram pouca expressão, como o de Dira Paes que passou “batida” e sem muito a acrescentar. Algumas músicas, cantadas pelo próprio elenco, serviram de contraste com as pesadas cenas. Trilhas doces, suaves e extremamente regionais deram um ar mais leve e interessante ao filme. A produção é uma obra que simboliza uma poesia barroca, dura, forte e bonita, com traços singelos e puros contrastando com cenas irreverentes e inesperadas. Nesse filme, força é a palavra.


Essa resenha venceu o concurso do Diario de Pernambuco para compor o Júri Popular do Festival de Gramado de 2009. 


Classificação Indicativa: 18 anos

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