terça-feira, 11 de setembro de 2012

Machuca

Um filme de Andrés Wood, 2004.

O golpe militar de Augusto Pinochet matou milhares de pessoas, marcou um povo e transformou vidas. Antes, dois garotos ousaram construir uma sincera amizade.  
No Chile de 1973, o sonho que emergia dos ideais populares acabou soterrado pela retomada do poder tradicional voltado ao capitalismo americano. Salvador Allende, socialista e até então presidente, ao mesmo tempo em que ganhava o apoio do povo, via-se encurralado pelos interesses da extrema direita e da receosa burguesia local, que exigiam o fim de seu comando.
O Chile era a exaltação de desejos e ideologias. A esquerda e a direita marchavam pelas ruas colorindo a realidade, dando sons às ruas, esquinas e praças da cidade. A história via-se viva, pronta para ser contada.
A realidade histórica mistura-se então ao enredo audiovisual. 
A rotina de Gonzalo Infante adequava-se, de maneira distante, a esse contexto. O sensível garoto, membro mais novo de uma família da elite chilena, pertencia ao conceituado cotidiano escolar da Saint Patrick. Comandada pelo padre progressista McEnroe , ironicamente vindo dos EUA, a escola iniciou uma política inclusiva alinhada às condutas sociais de Allende.
Já Pedro Machuca envolvia-se com a vivacidade histórica da época. Morador de uma das comunidades de Santiago, o menino enfrentava uma realidade em que a desigualdade social alimentava as aspirações por justiça. Junto a outros garotos de bairros periféricos, Machuca chega a Saint Patrick, levado pelos ideais do socialista americano.
O encontro de dois mundos estava decretado. Os jovens iniciaram uma surpreendente amizade, vivenciaram as descobertas da juventude e passaram a conhecer um outro Chile. O novo de um era o corriqueiro do outro. Nessa trajetória, a disputa de classe que inflamava os ânimos da população passou a ser representada na relação dos garotos.
Os contrates, as dúvidas e os medos puseram os dois frente a frente. Nesse cara a cara, os sentimentos nos lembram do quão complicado pode ser o relacionamento humano, e, ao mesmo tempo, de como lindo pode ser o desenrolar de uma amizade. Pedro Machuca e Gonzalo Infante nos presenteiam com as diversas facetas humanas.
Apesar de Machuca intitular a produção, Gonzalo possui grande importância na obra. Nele percebemos que a alienação nem sempre pressupõe a insensibilidade diante das injustiças. Ao entrar em contato com o verdadeiro Chile da década de 70, o jovem rapaz compreende que o país superficial em que ele vive é um circulo fechado, uma negação do momento histórico que seus compatriotas estão vivendo. Gonzalo se perde para começar a se encontrar.
André Wood pôs doçura no Chile em transição de 73, alimentou com lágrimas as esperanças esquecidas e nos trouxe a triste história revestida do companheirismo, sentimento que não deixaremos nunca de conviver, de um lado ou de outro da luta.  

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O homem que incomoda

O Homem que incomoda é um daqueles filmes que a explicação vai além do que está a nossa frente. Requer reflexões e pelo menos 5 minutos de silêncio e concentração após o seu fim e o início do letreiro final. O titulo é muito bem-vindo, quando se vê que realmente existe um incômodo constante. Jens Lien, diretor, fez um longa parado, tenso, sem muita cor e muito menos vida. Falando assim, parece que não tem como parar e ver um filme desses, mas acreditem, como tem! Certas coisas vão sendo desvendadas aos poucos, as que não são, fica a nosso cargo imaginar, deduzir ou simplesmente ficar sem saber, porque simplesmente não precisam. A narrativa é acompanhada por uma trilha muito adequada. São canções instrumentais, que acabam nos levando a uma angústia tensa e criam um forte envolvimento com a obra de Jens Lie.
Falando um pouco do seu enredo, temos o seguinte: Andreas chega a uma cidade aparentemente distante e perceptivelmente estranha. O local é totalmente desprovido de diferenças, cores, gostos e as pessoas são extremamente passivas, frias e sem sentimentos. Como Andreas foi parar ali, ele não sabe. Muito menos como sairá e como conseguirá se adaptar a essa nova realidade. Ele ganha um emprego, uma esposa e passa a desconfiar de tudo e de todos. O desespero começa a lhe perturbar. A morte não existe, muito menos há vida. Não se pode ver crianças correndo. Não se pode ver o sentido daquela existência. Todos estão fechados em seus mundos e tudo é racional ao extremo. Essa sociedade está predestinada a viver daquele mesmo jeito para sempre, sem expectativas, rancores, medos, emoções ou dúvidas. Os que vão de encontro a esse regime, são retirados e colocados em um lugar inóspito, um nada.
No filme, temos a eterna referencia a metafísica. Além disso, percebe-se um outro paralelo, uma realidade abstrata. Mas que através de metáforas podemos ligar ao nosso dia a dia e nossa vida na Terra. O quanto nos prendemos a uma felicidade traçada? Jens Lien nos convida a rever a forma como levamos nossa vida, o jeito que encaramos e nos importamos ou não com coisas, pessoas e sentimentos.
De repente, a vida está ai e não está sendo vivida. De uma maneira geral e até individual. Será que nós estamos certos do que queremos para nós? Eu estaria buscando uma felicidade minha ou uma predisposta?
O Homem que incomoda nos “cutuca”, e se você conseguir assisti-lo até o final, pode ter certeza que terá valido a pena.



Classificação Indicativa: 16 anos